notas de bolso

"o atalho mais longo"  

#

tão sozinho..
e desejando desesperadamente ser encontrado
para me encontrar a mim, desesperado, e só
um campo maninho.
descobrindo nada, tenho que me inventar.
de novo.
em alguém com quem possa conviver,
para os dias que aí vem.

Houve um tempo em que movia Montanhas,
atravessava paredes, e fazia que me escrevesses
Cartas de amor.
E possivel ludibriar o universo
por breves momentos o deus da mediania
reinou e nada fez sentido.


 

#

por vezes perguntam-me qual o segredo
de um relacionamento duradouro
eu não sei também temos as nossas discussões
e há dias que nos detestamos
mas vamos ficando e por vezes
cruzamos-nos nestes sítios nossos
e um dia voltamos a olhar nos olhos
do outro onde nos voltamos a encontrar
e faremos amor talvez
e entretanto passam os dias
aquilo que convencionamos chamar família
esperamos por esses dias que sempre vem
talvez o segredo seja ficar.

 

#


Prédios desfeitos e ruas estropiadas:
Esta cidade é nossa, e no entanto
fomos nós que largamos as bombas,
umas mais mortíferas que outras, mas
com uma cadência bestialmente regular.
Sem sabermos, esta guerra civil levou tudo:
as cores, os telhados e as paredes
onde nos escondíamos de um mundo feito para guerras.
Já fomos outros felizes aqui tenho a certeza,
enquanto recordo um postal antigo de como
as coisas eram. Depois olho para as ruínas
[algo vibra, é vida indiferente á destruição]
e vejo duas crianças a brincar no meio dela.

 

# s domingos

Em são domingos sentimos o silêncio como matéria real
(espesso, envolvia-nos e nós fechavamos os olhos)
Nós também, somos silêncio (e tantas vezes nos esquecemos)
por isso, naquele monte calámo-nos apenas para existir.
Ao longe ouviam-se os cães como conchas no fundo de aguas diáfanas
e passavamos o tempo a tentar perceber onde estavam.

 

#

meus olhos a doer e a cabeça a latejar
o trabalho também doí e moí por dentro
se for inútil e se for numérico
demasiado tempo em frente a este ecrã
ponho a musica no máximo para afugentar o sono
e vou passando o trabalho a conta gotas
mas apenas consigo expulsar a minha
atenção daqui, sei que as coisas melhoram
sempre é uma questão de horas de anos ou
de pessoas, elas também passam por ti como
o tempo e vão mudando de figura por isso
não ligo, o sol está quase a levantar-se e
sempre me espantam a suavidade daqueles
tons tão fortes. Nos fones os cure cantam qualquer
coisa como all i want e penso novamente em ti.

 

#que perdemos

afinal de contas
são as coisas que perdemos
que nunca nos abandonam

 

#905

éramos 4 no autocarro
o motorista e o homem
do saco a frente
o rapaz de farda
e eu sentados atrás
todos afuçanhados
caras de mau amigo
só o motor falava
com a madrugada
queixando-se do frio
e das subidas

mas o que querem
ninguém estava ali
de vontade própria

o sonho dos lençóis
e o calor da cama
acordar com o sol
são valores palpáveis
como o dinheiro

e apesar do trajecto
fazer a distancia entre
a casa e o soldo

eu viajava com
a forte sensação
de me estarem a
roubar algo.



 

#

vi uma vez num
filme já antigo
pessoas a cantar
para o trabalho
eram outros tempos
outra pobreza
hoje vejo
pessoas que passam
olham nos olhos
umas das outras
ninguém se cumprimenta
tudo cheira a derrota
a esta hora da madrugada

 

fevereiro

este mês passou rápido
e já cá canta o vencimento
um mês com 28 dias
são dois ou três dias
a menos
de trabalho
que maravilha
que absurdo
(seu idiota
se o ano tivesse
dez dias ficarias
mais contente?)
que forças me fizeram
amar a morte
sonhar com o nada?


 

#

no passeio frio e silencioso, os passos de uma mulher
são como gotas de um precioso elixir qualquer
(o homem virou-se para trás sorvendo uma ultima vez
aquela visão)

mas a vertigem daquelas pernas
quase que o fizeram cair na berma

tal como o álcool aquece apenas fugazmente,
a ilusão daquele calor foi substituída pela solidão

a rua deserta por um momento ficou iluminada de uma luz fosca
atravessando o ar como um raio x que expõe a tristeza em tudo

 

#

o teu corpo
já não é
um lugar,
é um território
hostil
que visito irresistivelmente
sem te encontrar
sem me encontrar.

 

#

a pôr o lixo a rua reparo num sem abrigo
a poucos metros de minha casa,
deitado no cimento com apenas um cobertor.

o lixo na rua e um corpo no chão

recolho a casa dorido e perplexo,
o que nos ensinam a fazer diante disto?
que eles existem e são perigosos sujos e trapaceiros.

descalço os sapatos e o frio da tijoleira
gela-me os pés e a alma.

o lixo na rua e um corpo no cimento a tremer

um dia vamos todos responder por isto.

 

#

imperial, o homem de cadeira de rodas na passadeira mandava circular os carros.


 

#

horrorizada, a rapariga na paragem
reparou no meu olhar fixo e involuntário
que lhe poisava sobre os seios.
os adolescentes sentem que fazem
parte de um mundo a parte, estanque
a uma faixa etária especifica
da qual os outros são como estrangeiros
(ou pervertidos se o libido se exprime)
e de certa forma tem razão em ambos.

Algo saltou dentro de ambos nós,
constrangido, quando o  momento se quebrou.

bem vinda ao mundo real miúda, pensei
satisfeito com o epigrama
mas ecoou de volta na minha mente
um muito mais profundo, assustador
bem vindo ao mundo real, homem



hugo m.

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